segunda-feira, 16 de julho de 2007

SALA DE LEITURA
MATEMATICA É UMA OPINIÃO
Original de GAETANO GHERARDI


Oi!
Todos juntos no Bar do Juca.
Epaminondas, o cientista político; Tonhão, o farmacêutico; Hildebrando, que continua seu protesto falando em siglas e naturalmente Julio César da Silva que transforma as siglas em linguagem inteligível; Annunziata e Malaquias; Domitila, a minha secretaria e o namorado dela, o Narciso; Pafuncio, que protesta sempre contra os impostos e finalmente Raimundinho, que dispensa apresentações e o Juca, o dono do Bar. Esqueci do Lírio, o garçom, que sempre dá um jeito de ficar por perto.
Pafuncio estava muito bravo.
Raimundinho percebeu e provocou:
- Descobriu mais um imposto, Pafuncio? Você está com cara de poucos amigos...
Pafuncio deu até um sorriso, meio nervoso e começou a explicar:
- Desta vez estou bravo contra os que usam a matemática como se realmente fosse uma opinião. E o pior é que passa a ser mesmo.
Entrei na conversa:
- Acredito que estamos todos boiando. Você explica?
Pafuncio não queria oportunidade melhor:
- Claro que explico e tenho certeza de que vocês vão concordar comigo e ficar aborrecidos. Vou começar com a surpresa da matemática bancaria.
Não, não tenho nada contra os Bancos, apenas uma constatação. Cansado do juro sobre juro e outras coisas que a gente pensa que está pagando, zerei minha conta. Zerei. Ou seja, vendi o que consegui vender, mas deu para zerar minha conta. Todo feliz, falei com a minha “gerente”. “Agora estou tranqüilo?” A resposta dela foi muito encorajadora: “Com certeza!”.Ela esqueceu de me avisar de que os “juros” do mês todo eram calculados e colocados na conta no fim de cada mês. Tradução: cinco dias depois estava devendo de novo...
Eu confesso que não entendi bem a historia do Pafuncio.
- Pafuncio, não entendi muito bem o que você falou.
Ele respondeu mais uma vez com aquele estranho sorriso entre o amarelo e a raiva:
- Estou devendo de novo. Deu para entender?
- Deu, mas então você devia ter deixado algum para pagar eventuais surpresas sem entrar no que chamamos de “vermelho”. Alias, nem sei porque este “vermelho” como definição de uma situação critica nas, digamos, “finanças”.
- Talvez, mas vamos a outros matemáticos. Eu tenho uma amiga que financiou um apartamento há mais de quinze anos e continua devendo o total do empréstimo. Passo a informação como a recebi. Sem duvida, se ela falou a verdade, e não tinha motivo de mentir, outra maneira de utilizar a matemática, a ciência exata com um ponto de vista diferente. Não acham?
O Lírio que tinha se afastado para trazer outra rodada dos pasteizinhos gostosos e dos etceteras, chegou nos livrando de uma resposta. Raimundinho não estava satisfeito. Depois de experimentar a nova remessa de pasteis, apertou o Pafuncio para que continuasse seu desabafo.
- O que você contou, Pafuncio, não é muito novidade. A matemática continua sendo uma ciência exata com, digamos, interpretações diferentes do que a lógica sugere. Gostaram da minha definição? Gostaram?
Pode ser que alguém tivesse gostado, mas ninguém se pronunciou. E Pafuncio continuou:
- Pois é. Definições não são tão difíceis. Difícil é você ser vitima de situações que, embora tenha, às vezes involuntariamente ou por ignorância, provocado, são definitivas.
- Por exemplo?
- Mais um exemplo? Este é final. Antes quero insistir que todos nos somos feministas. Certo?
Raimundinho respondeu por todos.
- Certíssimo!
Pafuncio encerrou com mais uma prova que a matemática é uma opinião.
- Minha mulher, vocês todos conhecem, Marieta. Ela quase nunca aparece nas nossas reuniões porque diz que coincide o horário com outras coisas com as quais ela está comprometida. Mas vamos ao que interessa.
Estou cansado de saber a idade dela. Pois vocês acreditam que começou a retroceder? Cada ano que passa, ela tem dois a menos. E faz questão de dizer logo para mim.
Foi Domitila, minha secretaria, quem encerrou o assunto.
- Pafuncio não leve a mal. Idade é uma opinião, não a matemática!

domingo, 15 de julho de 2007

SALA DE LEITURA
UMA INVENÇÃO DO RAIMUNDINHO
Uma crônica de GAETANO GHERARDI

Oi!
Só podia ser uma idéia do Raimundinho, alias, uma grande novidade que poderá até vingar.
Epaminondas, o cientista político; Tonhão, o farmacêutico; Hildebrando, que continua seu protesto falando em siglas e naturalmente Julio César da Silva que transforma as siglas em linguagem inteligível; Annunziata e Malaquias; Domitila, a minha secretaria e o namorado dela, o Narciso; Pafuncio, que protesta sempre contra os impostos e finalmente Raimundinho, que dispensa apresentações e o Juca, o dono do Bar. Esqueci do Lírio, o garçom, que sempre dá um jeito de ficar por perto.
Hildebrando falou logo:
- E.D.S.S.T.D.
E o Julio César da Silva traduziu:
-“Eu entraria como sócio se tivesse dinheiro.”
Até aqui não disse ainda qual a idéia do Raimundinho que todos pareciam aprovar.
O Juca declarou:
- Acho até uma boa, excelente idéia, mas dependerá de muito investimento para dar certo.
Vamos então saber de que se trata?
Como num “tape”, voltamos ao Raimundinho falando. Certo? Certo!
- Existem centenas de “dicas”, sistemas, remédios, regimes e até cirurgias para emagrecer. Eu não quero discutir nenhuma das soluções propostas, apenas quero propor uma novidade absoluta que gostaria muito de comercializar.
O Epaminondas fez uma intervenção:
- Agora que estou tentando o caminho de administrador de empresas, lembre de mim, se der certo.
- Bem que você poderia ajudar. Vamos para a minha idéia, então?
Eu pensei numa solução para emagrecer muito interessante e sem duvida, absolutamente nova.
Malaquias apressou o Raimundinho:
- Fala logo, Raimundinho. Eu não sou gordo, mas sou curioso.
Raimundinho riu:
- Vocês nem vão acreditar que a idéia seja minha, mas garanto que é.
Pensem comigo. Uma mulher um pouco alem do peso...
Annunziata já reclamou:
- Por que “mulher”? Não pode ser homem?
- Claro que pode, mas vamos ver se vocês não me interrompem, por favor.
E Raimundinho passou para o principal:
- Uma mulher, um pouco alem do peso (é a versão feminina da minha invenção), de noite, no “intervalo” da televisão, vai até a cozinha, abre a geladeira e imediatamente uma voz: “ Olá gordinha. Você já jantou mais do que precisava. ” Uma gravação. Exato. Ativada com a abertura da porta.
Todo mundo riu, já aprovando. Mas Raimundinho não tinha completado sua narração.
- A mulher, provavelmente vai dar uma risadinha e volta a fazer o que a ocupava antes da tentativa de assalto à geladeira. Um tempinho depois, lá vai ela, outra vez. Desta vez a “fala” da geladeira é outra: “ Outra vez, gordinha? Você já olhou bem para seu espelho? Crie vergonha, enquanto é tempo! ” Desta vez a risadinha da mulher vai ser bem amarelinha, mas ela fecha a porta da geladeira? Desistiu? Minha invenção já funcionou?
Todo mundo mudo, olhando para ele e Raimundinho feliz prosseguiu:
- Estão achando interessante? Vamos continuar. Na terceira vez que a mulher vai abrir a porta, a geladeira será um pouco mais agressiva: “ Ora gordinha, já devia ter se mancado. Sabe o que suas amigas acham de você? ” E assim por diante. Depois de mais umas duas mensagens, recomeça de novo. Gostaram?
Todos gostaram e para festejar a idéia, nada melhor que a fala do Lírio, o garçom:
- Um achado. Se o Juca me permitir, vou oferecer a próxima rodada.
Vocês acham que eu tinha razão de apresentar a invenção do Raimundinho, com um pequeno suspense? Então me mandem um e-mail, ou uma carta ou qualquer manifestação, a favor ou contra o novo sistema para emagrecer do nosso e vosso grande amigo.


SALA DE LEITURA
MAIS UMA IDEIA DO RAIMUNDINHO
Uma crônica de GAETANO GHERARDI

Oi!
A Domitila, a minha secretária, anunciou o Raimundinho enquanto ele já estava entrando na minha salinha, como de costume.
Raimundinho começou a falar, antes mesmo de sentar.
- Gherardi, tenho uma idéia muito interessante.
Domitila apoiou:
- Excelente idéia!
Percebi, evidentemente, que o Raimundinho tinha externato sua idéia.
E Raimundinho esclareceu:
- Testando a validade da idéia, testando. A idéia é muito boa, mas queria que você me ajudasse a “registrar” ela.
Claro que dei uma risadinha.
- Raimundinho, se eu entendesse de “registrar idéias”...
E percebendo que a Domitila estava esperando ao lado do nosso amigo.
- Algum problema, Domitila?
- Nenhum. Vou buscar um cafezinho para o Raimundinho.
- E então, Raimundinho?
- Vamos esperar o café? A Domitila queria muito ver a sua reação para a minha idéia.
- Tudo bem.
- Gherardi, tenho que conseguir um “registro”, seja qual for, pois depois de divulgada, todo mundo vai aproveitar.
- As idéias Raimundinho são para ser aproveitadas, quanto mais gente se interessar por elas, melhor para todos.
- Concordo, mas eu vou ficar a ver navios?
- Nem sei de que se trata, como é que vou responder?
E fomos salvos pela Domitila que trazendo o café já ia perguntando:
- Você já falou, Raimundinho?
- Não. Estava esperando o café.
E ambos deram uma gostosa risada.
E Raimundinho finalmente falou:
- Você já viu em algum supermercado, grande ou pequeno, de rede ou sem rede, uma gôndola (você sabe o que é “gôndola”, sabe sim) dedicada a alimentos para gestantes? Gestantes precisam de uma alimentação especial e evidentemente não a encontram, misturada com outras. Uma gôndola para gestantes é a grande idéia. Com alimentos que contenham as vitaminas, enfim, eu não sou especialista, mas com tudo que diga respeito diretamente para a futura mamãe. Para roupa tem até, e muitas, lojas e para a alimentação, nem gôndola para facilitar as gestantes? Não é uma grande idéia?
Achei muita graça...
- Raimundinho, eu não sei como você, pessoalmente, possa tirar proveito da idéia, mas eu já conhecia esta “idéia”.
- Muito bem. Mas a grande idéia é minha mesmo; presta atenção: inicio de gravidez, dois meses (digamos) sem sinais exteriores e físicos da mesma, como a futura mamãe pode usar a “caixa” reservada para gestantes, idosos etc. nos supermercados?
- Ninguém vai mentir sobre uma coisa tão importante. Os funcionários dos supermercados acho que são treinados para acreditar e não ofender os clientes duvidando até do que eles dizem.
Mas Raimundinho queria expor a idéia, realmente dele.
- Gherardi, quero fundar uma ONG, Organização não governamental, que abrigue em seu seio uma Associação de Mulheres Grávidas, com direito a Carteirinha, sim, Carteirinha que ela poderá mostrar aos funcionários das caixas dos supermercados ou em qualquer lugar, garantindo seus direitos de gestante.
Domitila apoiou mais uma vez:
- Não é uma grande idéia?

sexta-feira, 13 de julho de 2007

SALA DE LEITURA
O BAR DO JUCA
Uma crônica de Gaetano Gherardi

Oi!
Espero que todos vocês conheçam o Bar do Juca.
Conhecem sim. É onde , numa mesinha quadrada, em alguns fins de tarde, no máximo, uma vez por semana, vocês devem ter visto um grupinho de amigos conversando do mais e do menos.
É sempre o meu amigo Raimundinho quem orienta os embates e debates.
Não vou dizer se eles tomam esta ou aquela cervejinha, mas os gostos são todos bem parecidos, é cerveja.
Anteontem eu estava junto ao Epaminondas, cientista político nas horas vagas e o Tonhão, quando apareceu o Raimundinho , que tinha um novo amigo para apresentar, melhor dizendo, dois amigos novos.
Raimundinho começou as apresentações:
- Hildebrando é ator, Gherardi, um grande elemento para o filme que você está preparando, e o Julio César Lobão da Silva é um intelectual de antiga fama e que serve de “ intérprete” para o amigo.
- Intérprete? O Hildebrando é estrangeiro?
- Não, não. O Hildebrando precisa de um intérprete – é sempre o Raimundinho explicando – porque tomou uma atitude muita séria. Atropelado, como todos nós, pela enxurrada de siglas que existem e são criadas neste Pais e em outros, ele decidiu que falaria somente em siglas.
- Falar em siglas? Raimundinho ,você já teve um amigo que tomou esta atitude anos atrás. Não se chamava Hildebrando, claro. Que fim levou ?
- Fundou um conjunto de Rock e virou cantor. Voltando ao Hildebrando, ele acha que está se formando um novo idioma: o idioma das siglas e ele quer contribuir para isto.
O Tonhão, sempre muito prático- ele é farmacêutico- animou a conversa:
- Seja bem vindo. Aliás o nosso bem vindo se estende aos dois novos amigos, é claro.
O Hildebrando falou então:
- E.A.A.A.C.
O Julio César se apressou na tradução:
- Eu agradeço a acolhida, companheiros.
Ficamos todos em silencio, até que um barulhão de cadeira arrastada e uma mãozinha levantada bem alta para chamar o Juca apareceu de repente. Era o Faustinho. Antigo do grupo, um quase fundador do mesmo, era quem estava chegando.
Faustinho? Um metro e cincoenta e seis de altura, magro que nem manequim gaúcho, ele insistia no apelido, segundo ele, para não ser confundido com o Faustão, o da TV, é lógico.
Faustinho olhou, melhor dito, encarou os dois “novos” e explodiu:
- Não conheço.
Eu fiz uma pequena intervenção:
- Não por culpa deles e nem sua. São amigos do Raimundinho.
Faustinho se abriu num sorriso e dirigindo-se ao Hildebrando pensou em recuperar a atitude hostil demonstrada.
- E então? Tudo bem com você?
Tranqüilamente, sorrindo, Hildebrando respondeu:
- S.T.B.P.E.
E o Lobão traduziu rápido:
- Sim, tudo bem, por enquanto.
A cara do Faustinho era mesmo para ser eternizada numa foto.
Imóvel. Como quem não estava entendendo nada, e não estava mesmo, ficou olhando para o Hildebrando. Esqueceu até do Juca, que ao lado da mesa, tinha atendido ao chamado de sua mão levantada e que também estava estranhando a cena que presenciara, sem querer.
Raimundinho explicou:
- São meus amigos. Estou apresentando aos outros, hoje. Segundo o Hildebrando, e apontou para o cara que sorriu, dentro de poucos meses todos os idiomas serão transformados em siglas...
Juca concordou, ele sempre concordava com os clientes, e afastando-se deixou claro ao Faustinho que ia atender seu pedido.
- Cervejinha para o Faustinho!
O Raimundinho começou um pequeno discurso, inútil como todos os seus discursinhos:
- Hoje é um dia histórico. Merecerá ser lembrado. Aqui, está sendo lançado um novo idioma. O das siglas. Lembrando a frase de Américo Vespuccio..
Eu interrompi:
- De quem?
- Tanto faz, a frase é importante, se você não pode ir contra, una-se. É mais ou menos assim. Ninguém vai conseguir acabar com as mais de quinze siglas que nascem por dia para definir tudo ou para camuflar muita coisa e então: vamos ajudar, vamos contribuir. O Hildebrando tomou a iniciativa. Vamos nos unir a ele, pelo menos. A minha proposta é: É. U. V. F. D. I.!
Todos ficamos olhando para o Raimundinho, esperando a tradução.
Ele riu e explicou:
- Não precisa se esforçar Julio César Lobão da Silva. É fácil: “ é um verdadeiro festival de idiotices” !
Epaminondas, que não tinha aberto a boca, achou por bem entrar na conversa. E como bom cientista político nas horas vagas, declarou:
- Mas são siglas também que definem impostos, taxas e outras arbitrariedades ou atos legais para desespero dos pequenos empresários, e para os médios e grandes.
Como a conversa estava mudando de rumo... Estava? Resolvemos todos chamar o Juca para dar um reforço substancial com os pasteizinhos que só ele sabe preparar
.
SALA DE LEITURA
CIUME DA SOFÍA
Uma crônica de GAETANO GHERARDI


Helena e Brito são meus amigos há muitos anos. São moços. Um casal muito unido e muito apaixonado. Ambos trabalham e muito. Ela num escritório de assessoria de alto nível e ele é funcionário de uma empresa multinacional ou algo assim. Sei que o trabalho, graças a Deus é muito e o tempo para ficarem juntos, nem tanto.
O que eu não sabia era que Helena é muito ciumenta.
Ciúme de alguma outra mulher?
Helena estava sentada diante de mim, com a cara mais triste do mundo.
- Gherardi, se fosse ciúme por outra mulher, se ele estivesse interessado em outra mulher, eu saberia muito bem como agir e reagir. Mas a paixão dele é uma moto. Uma moto. Ele sempre deu nome para as motos que teve, mas esta mereceu um nome diferente, italiano segundo ele: Sofía! Sofía, você acredita numa coisa destas?
- Dele dar nome para a sua nova moto? Claro. Isso é muito comum.
- Concordo que se fosse só o nome, tudo bem. Já falei para você, aliás, que vamos nos separar?
- Não. Por enquanto estamos falando de uma moto com nome italiano.
- Pois, vamos nos separar!
- Espero que seja por pouco tempo.
- Espero que seja para sempre. Não posso “concorrer” com uma maquina. Não é fácil de entender. Vamos por partes. Um Sábado à tarde, por exemplo. Combinamos de ir ao cinema. Num desse cinema-pipoca que agora é moda em Campinas.
Acho que esqueci de dizer que Helena e Brito vivem em Campinas.
- Cinema-pipoca?
- Claro, é mais cara a pipoca do que o ingresso...Ou quase. Mas não vim até aqui, em Amricana, para falar de cinema ou de pipoca, vim pedir um conselho a um velho amigo.
- Estávamos falando em cinema ou em pipoca?
- Não Gherardi. Estávamos falando que o Brito e eu, nos separaremos. Acho que ele vai voltar para a casa da mãe dele.
- Pois é, vocês brigaram.
- Não. Não brigamos. Apenas a vida em comum é impossível. O cinema é um exemplo. Quinze minutos antes do nosso encontro ele lembrou que tinha uma reunião com uns amigos para organizarem uma viagem com as motos.
- Então é dos amigos que você tem ciúmes.
- Gherardi, tente me compreender. Os amigos são todos fanáticos por motos. É da Sofia, da moto dele, que tenho ciúme. Ela é a causa de todos os nossos desentendimentos. De manhã, ele acorda e primeiro vai ver a moto e depois sobe para me dizer bom dia. Nossos papos, quer dizer os “monólogos” do Brito são sobre histórias de motos fantásticas. Quando eu tento interromper ele logo diz: “ um minutinho só, deixa te contar! ”
- Tenho a impressão que o Brito, esta tentando “incluir a moto” na família.
Helena sorriu.
- Eu acho que você já entendeu a situação e os motivos da separação. Vim buscar um conselho. Para mim a decisão é definitiva, mas para ele, não.
- Eu não sou a pessoa mais indicada para aconselhar alguém, numa situação destas. Mas posso fazer algumas perguntas?
- Claro.
- Você tentou se interessar pela moto? Dividir com ele essa paixão?
- E ele tentou gostar de ir ao cinema comigo? De conversar sobre qualquer outro assunto? Falar em viajar ( não de moto, é claro ). Falar em modas... Sei lá, qualquer assunto que possa me interessar?
- Aí é que está o problema. Falta de dialogo, claro e aberto entre o casal. Supere e Brito vai até esquecer a moto.
Helena olhou bem para a minha cara.
- Posso tentar, Gherardi, posso tentar. Você sabe que ele morava sozinho quando o conheci, não sabe?
- Sei sim.
- Você sabe o por que? A mãe dele, dona Justina, não agüentava a estranha paixão do filho por uma moto que se chamava Rita.




SALA DE LEITURA
O GRANDE VENDEDOR
Uma crônica de GAETANO GHERARDI

Oi!
Na semana seguinte aquela informal reunião, regada a cerveja, no Bar do Juca, quando o Epaminondas anunciara sua equipe para o escritório de assessoria política, Domitila entrou na minha salinha e anunciou o Raimundinho.
Raimundinho entrou meio capisbaixo.
- Que é que aconteceu?
- Gherardi eu preciso de sua ajuda.
- Se depender de mim, conte comigo.
- Na equipe do Epaminondas eu assumi as vendas. Ou seja: conseguir quem quisesse a tal assessoria.
- Eu sei, eu estava lá.
- Eu contava que você não fosse me dar a lista dos seus amigos candidatos, mas contava com a Domitila para ela me dar...
- Contou errado. Domitila é de toda confiança.
- Agora, tenho certeza Mas você pode me ajudar.
- Não tenho lista de amigos e meus amigos confiam em que eu preserve a privacidade deles.
- Tudo bem. Eu só quero o endereço de um: o grande vendedor. Só você tem.
- Não sei do que você está falando.
- O Alvim. Não sabe quem é?
- Claro que eu sei.
- Aquele que apareceu, em Campinas, quando o Juventino Castiço montou um escritório de assessoria política, como bom cientista político que ele é. Lembra?
- Lembro. O Alvim com o passar do tempo ficou meu amigo, mesmo.
- A última noticia que tenho dele, do próprio Juventino, é de que se mudara para Americana.
- Correto.
- Lembra o método que ele usava para vender? Usava a emoção. Emoção de verdade. Ele chegava para o cliente em perspectiva e dizia: “ Eu não vim vender nada. Afinal eu sou um péssimo vendedor. Você não vai comprar nada. Eu sou um péssimo vendedor. Tem dezenas de escritórios de assessoria que podem atender você. Não há um motivo que seja para você me atender. Não me atenda mais. Eu sou um fracasso. Só sirvo para dar sorte para os meus “clientes”.” E quase chorava. Lembra do Alvim?
- Já falei que lembro, Raimundinho. Vendeu tanto que em três meses comprou um carro zero quilômetros, com parte dos resultados. Ele usava a emoção para vender. A emoção sempre dá resultado. Tinha descoberto uma formula longe do humor, da insistência, de outros sistemas e deu certo. Usando emoção, naturalmente.
Raimundinho fez uma cara aborrecida.
- Se eu quisesse aula de comunicação, assistiria uma palestra sua, Gherardi, em alguma Faculdade, ou Associação cultural...Eu tentei usar o sistema do Alvim.
- E daí?
- Daí, quando chegou a hora em que eu disse “ Você não vai me atender mais..só sirvo para dar sorte para os meus clientes...” O cara falou: “ Você está com toda razão e como eu não sou supersticioso, vai dando o fora, sim?”
- Uma andorinha não faz o verão.
- Que sabedoria, Gherardi, estou impressionado. Na segunda tentativa, o cara ficou bravo comigo: “Se você já sabe que eu não vou comprar, para que você vem ocupar o meu tempo?!” Passe o telefone do Alvim.
- Nada feito Raimundinho. O Alvim está viajando. Está na Europa. Construiu uma pequena fortuna com o sistema de venda dele. Abriu uma loja e viajou com sua pequena família para Portugal.
Raimundinho ficou paralisado com a noticia. Deu a impressão até que estivesse pensando. E finalmente falou:
- Qual é o nome da loja?
- “Emoção positiva!”
O Raimundinho chegou a me comover.
- Só tem uma solução. O Epaminondas desistir de seu escritório de assessoria para políticos. Eu reconheço meu fracasso como vendedor. Só que ninguém fica com pena de mim...
- Meu amigo Raimundinho, seja criativo. O que é bom para o Alvim...
- Lição de moral, agora? Você pensa que é quem? Na verdade já é tarde para começar o escritório de assessoria, vamos manter a equipe unida – estão todos desempregados – e vamos achar outra coisa para fazer. A união faz a força.
- Com certeza. Contem comigo.
- Exatamente o que não vamos fazer mais.

Endereço eletrônico: gaetanogherardi@yahoo.com.br
SALA DE LEITURA
O HOMEM QUE RI
Uma crônica de GAETANO GHERARDI



Eu estava mesmo estranhando a ausência de Raimundinho do meu escritório.
Ele não trabalha comigo, mas está sempre “chegando”.
Aliás, a verdade é que ele tenta muito, mas não consegue trabalhar por muito tempo, sem que algo o leve de volta a procura de outra coisa.
Estranhei ainda mais quando a minha secretária me anunciou a visita de
Clotilde, a mulher do Raimundinho.
- O que aconteceu?
- Eu gostaria de saber.
- Raimundinho arranjou algum trabalho novo?
- Não.
- Está doente/
- Não sei.
- Ele fugiu de casa?
- Não. Ele está em casa, rindo.
- Rindo?
- Rindo. Vim pedir a sua ajuda, Gherardi. Você pode ir até em casa, falar
com ele?
- Claro que posso, mas o que ele tem?
- Não sei. Ele ri de tudo. Não fala mais nada. Eu falo com ele de algum problema, de alguma carta, de alguma cobrança e ele ri.

***
Claro que acompanhei Clotilde até em casa.
O nosso amigo – acho que os leitores já o adotaram como amigo – estava assistindo televisão. Um daqueles programas dramáticos, trágicos, cheio de desespero, choros e lagrimas, que não dava para assistir sem emoção.
Raimundinho estava cheio de emoção...rindo como se estivesse assistindo
um filme americano dublado em português.
Aí lembrei de pedir mentalmente desculpas ao autor do livro “O homem que ri”, pois realmente nada tinha a ver a obra dele com a alegria fantástica do Raimundinho.

Mas ele era realmente o próprio “homem que ri”, com gosto.
Comecei desligando a TV.
Ele olhou para mim, mas continuou rindo, mais tranqüilo, acenando para mim e para a mulher dele com a mão.
Ataquei de sola:
- Raimundinho, a Clotilde foi me buscar porque ela quer se separar de você, se você não parar de rir.
Ele não parou.
- Meu amigo – continuei – você sabe que vão cortar a luz da sua casa, se você não for pagar?
Nada. Ele continuava rindo. Achei que eu tinha dado um fora, a conta da luz dele deveria estar em dia.
- Você não se comove por nada neste mundo?
Ele continuou rindo.
- Se você não contar por que está rindo tanto, vai perder seus amigos, além da Clotilde, evidentemente. Ninguém quer nada com um homem que ri de tudo.
Ele parou de rir.
Eu achei que finalmente ele ia se abrir.
E se abriu.
- Sabe, Gherardi, eu fiz uma grande descoberta. A partir de uma frase do nosso amigo Epaminondas. Ele disse: “ninguém pode fazer duas coisas ao mesmo tempo”...e deu até aquele exemplo bem típico de assobiar e chupar cana. A partir da minha descoberta eu decidi: enquanto dou risada, não posso chorar e creia, meu amigo, as vezes, tenho muita vontade de chorar!