sexta-feira, 13 de julho de 2007

SALA DE LEITURA
O HOMEM QUE RI
Uma crônica de GAETANO GHERARDI



Eu estava mesmo estranhando a ausência de Raimundinho do meu escritório.
Ele não trabalha comigo, mas está sempre “chegando”.
Aliás, a verdade é que ele tenta muito, mas não consegue trabalhar por muito tempo, sem que algo o leve de volta a procura de outra coisa.
Estranhei ainda mais quando a minha secretária me anunciou a visita de
Clotilde, a mulher do Raimundinho.
- O que aconteceu?
- Eu gostaria de saber.
- Raimundinho arranjou algum trabalho novo?
- Não.
- Está doente/
- Não sei.
- Ele fugiu de casa?
- Não. Ele está em casa, rindo.
- Rindo?
- Rindo. Vim pedir a sua ajuda, Gherardi. Você pode ir até em casa, falar
com ele?
- Claro que posso, mas o que ele tem?
- Não sei. Ele ri de tudo. Não fala mais nada. Eu falo com ele de algum problema, de alguma carta, de alguma cobrança e ele ri.

***
Claro que acompanhei Clotilde até em casa.
O nosso amigo – acho que os leitores já o adotaram como amigo – estava assistindo televisão. Um daqueles programas dramáticos, trágicos, cheio de desespero, choros e lagrimas, que não dava para assistir sem emoção.
Raimundinho estava cheio de emoção...rindo como se estivesse assistindo
um filme americano dublado em português.
Aí lembrei de pedir mentalmente desculpas ao autor do livro “O homem que ri”, pois realmente nada tinha a ver a obra dele com a alegria fantástica do Raimundinho.

Mas ele era realmente o próprio “homem que ri”, com gosto.
Comecei desligando a TV.
Ele olhou para mim, mas continuou rindo, mais tranqüilo, acenando para mim e para a mulher dele com a mão.
Ataquei de sola:
- Raimundinho, a Clotilde foi me buscar porque ela quer se separar de você, se você não parar de rir.
Ele não parou.
- Meu amigo – continuei – você sabe que vão cortar a luz da sua casa, se você não for pagar?
Nada. Ele continuava rindo. Achei que eu tinha dado um fora, a conta da luz dele deveria estar em dia.
- Você não se comove por nada neste mundo?
Ele continuou rindo.
- Se você não contar por que está rindo tanto, vai perder seus amigos, além da Clotilde, evidentemente. Ninguém quer nada com um homem que ri de tudo.
Ele parou de rir.
Eu achei que finalmente ele ia se abrir.
E se abriu.
- Sabe, Gherardi, eu fiz uma grande descoberta. A partir de uma frase do nosso amigo Epaminondas. Ele disse: “ninguém pode fazer duas coisas ao mesmo tempo”...e deu até aquele exemplo bem típico de assobiar e chupar cana. A partir da minha descoberta eu decidi: enquanto dou risada, não posso chorar e creia, meu amigo, as vezes, tenho muita vontade de chorar!